Novo CPC

Este blog foi criado como uma tentativa de ampliar a discussão sobre a proposta de um novo Código de Processo Civil.
A alteração de uma lei dessa relevância não pode ser conduzida em regime de urgência e é necessário que os operadores do Direito, entre outros setores da sociedade, sejam mais atentamente ouvidos.
Esperamos, assim, oferecer aqui alguma colaboração.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O Projeto foi aprovado no Senado: algumas críticas ao método

Nesta quarta-feira o Senado aprovou o projeto de novo Código de Processo Civil, após uma tramitação muitíssimo breve e discussão quase nula. Deixando de lado, por ora, quaisquer considerações sobre o texto aprovado (embora não faltem pontos polêmicos para debater) atenho-me, nestas breves linhas, à questão formal de sua veloz aprovação pelo Senado.

Como se sabe, o projeto foi originalmente elaborado por uma comissão de juristas, todos eméritos estudiosos da ciência processual e de virtudes inquestionáveis. Após breve trâmite, o relator do projeto no Senado apresentou, há poucas semanas, um texto alternativo, modificando diversos pontos da proposta dos juristas, sobre o qual, ao que se saiba, não se estabeleceu qualquer debate mais aprofundado. E, ao que parece, é esse o texto aprovado.

Como ponto de partida, nomear uma comissão de juristas para elaborar um anteprojeto de lei pode ser uma escolha adequada e bastante oportuna; mas daí até a chegada final, em um regime que se considere democrático e republicano, era de se esperar uma discussão mais longa e aprofundada. Não porque faltassem qualidades aos doze integrantes da Comissão. Mas alguém duvida que, fossem outros os seus membros, igualmente ilustres, o texto poderia ser algo muitíssimo diverso do que se apresentou?

O regime democrático certamente está longe de ser perfeito. Mas, como já se disse, é o menos ruim que já foi inventado. Uma maneira de contrabalançar seus problemas é dar ampla publicidade ao exercício do poder e a exigência formal de debates antes da tomada de importantes decisões. É isso que se espera, mais do que em outros órgãos públicos, de uma Casa Legislativa. Novas leis regularão a sociedade por um longo futuro, até que outras leis as substituam, não devendo, por isso, ser produzidas de modo açodado.

Se os Senadores nem de longe conhecem o processo civil como os membros da Comissão, sua função haveria de ser ouvir mais, ouvir o país, ouvir outras opiniões e ponderá-las. Aprovar um texto dessa magnitude a toque de caixa equivale a atestar a própria desnecessidade de um Poder Legislativo. Pode-se perguntar: basta nomear doze juristas de indiscutível renome para escrever leis e podemos abolir nosso dispendioso Congresso Nacional? Por mais que nosso Legislativo tenha, nos últimos anos, produzido mais escândalos do que boas leis, creio que ainda é melhor tê-lo em funcionamento do que não ter nenhum...

Pelo pouco tempo decorrido e considerada a extensão do projeto - todo um novo Código! - é de se supor que a discussão não ocorreu nem mesmo no âmbito do Senado. Além de tramitar por apenas sete meses, boa parte desse período coincidiu com a recente campanha para as eleições estaduais e federais, sendo profundamente duvidoso que nossos Senadores tenham se dedicado a estudar o processo civil e as novas propostas reformistas enquanto tentavam se eleger para novo mandato ou para outros cargos eletivos que disputavam, ou ainda colaboravam com a campanha de seus correligionários. Será que os nossos legisladores saberiam dizer no que votaram? Saberiam explicar aos jurisdicionados que méritos tem o texto aprovado e como isso vai repercutir nas suas vidas? Ou como isso poderá melhorar a distribuição da justiça pelos nossos juízes e tribunais? Gostaria imensamente de vê-los explicar à população o que foi que votaram e aprovaram!

Some-se a tudo isso um cenário de final de legislatura, em que após uma eleição para renovar dois terços dos Senadores, boa parte dos que nos oferecem esse novo CPC estará deixando o mandato dentro de poucas semanas.

Por que a pressa?

Processos legislativos na verdade até exigem alguma lentidão, para que da discussão as idéias se aperfeiçoem e amadureçam. Divergir é da essência da democracia. E aprovar leis em regime de urgência no mais das vezes produz apenas resultados desastrosos. Ademais, tratar códigos processuais como leis emergenciais já é em si um profundo equívoco, seja pelo risco inerente à pressa com que as leis são feitas, seja porque nossa terrível crise judicial definitivamente não será resolvida por uma nova lei, quaisquer que sejam os seus dizeres.

Diante desse quadro, só se pode rogar que ao menos na Câmara ocorra uma discussão mais ampla e minuciosa desse projeto. O passado recente exibe notáveis situações em que projetos aprovados muito rapidamente em uma das Casas acabaram levando anos na outra, onde, de fato, se estabeleceu algum debate. Um exemplo disso, embora às avessas, foi observado no trâmite da Lei nº 11.419/06, que também versando sobre o direito processual, regulou o chamado "processo eletrônico". Aprovado feito um raio na Câmara dos Deputados, o projeto foi encontrar no Senado algum espaço para reflexão, que aperfeiçoou seu texto; embora ainda passível de críticas, dita Lei é bem melhor do que o projeto que fora antes aprovado na Câmara.

Vejamos o que o futuro nos reserva... Será que pior do que está não fica?

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O Novo CPC: solução para os males da Justiça?

O Senado Federal está para aprovar o novo Código de Processo Civil, elaborado por uma comissão de juristas nomeada pela presidência da Casa e que apresentou suas propostas como sendo “passos fundamentais para a celeridade do Poder Judiciário, que atingem o cerne dos problemas processuais, e que possibilitarão uma Justiça mais rápida e, naturalmente, mais efetiva”.

Parece-me um equívoco a velocidade que está sendo empregada para aprovação do novo CPC. Um código, apesar de ser também uma lei ordinária, dela se diferencia pela abrangência geral sobre o tema que trata e pela estabilidade que deve ter. Por isso reclama debates mais intensos do que uma lei esparsa. Por isso, tradicionalmente os projetos de códigos têm tramitação demorada, sendo analisados por diversas comissões das casas legislativas. Os regimentos internos das casas que compõem o Congresso Nacional, porém, sofreram modificação para dar tramitação especial quando a proposta de código for elaborada por uma comissão de juristas, como ocorreu com o novo CPC, que estará sendo aprovado no Senado com apenas 6 meses de tramitação. Nem mesmo lei ordinária costuma ter tramitação tão rápida. O Código Civil, elaborado por juristas do porte de Miguel Reale, demorou quase 30 anos para ser aprovado. Evidente que foi um tempo longo demais, mas mesmo assim, sete anos após sua aprovação, já veio a sofrer modificações para correção de suas imperfeições. O processo é a área do direito de maior conteúdo filosófico, já que instrumentaliza a concretização de todos os direitos. A pressa na aprovação do CPC trará prejuízo aos debates e potencialmente, à qualidade de suas novas regras.

De outro lado, parece-me um erro ainda maior imaginar que o problema da morosidade da Justiça é causado pelas disposições processuais. Não há, aliás, legislação que tenha sofrido tantas alterações como a processual civil. Foram mais de 60 modificações e quase todas justificadas exatamente no combate à morosidade do Poder Judiciário, evidenciando que não é nessa legislação que se encontra o problema da Justiça.

O Judiciário, apesar da proclamada autonomia financeira e administrativa é, de longe, o Poder que tem merecido menores investimentos, em relação à demanda cada vez maior por seus serviços. Em São Paulo, onde tramitam 60% dos feitos nacionais, a cada ano aumenta o corte nas propostas orçamentários do Tribunal de Justiça e diminui a sua participação nas Despesas Gerais do Estado. Em 2007, o Judiciário tinha destinado 5% daquelas despesas. Em 2011, essa participação será de 4%. No último exercício, o TJ-SP só teve participação orçamentária maior que os estados de Tocantins e de Amazonas, e um investimento comparável ao PIB Estadual maior que o Paraná. O corte no orçamento do Judiciário em 2010 foi de 30%; em 2011, está sendo de 54%.

A falta de Juízes, de servidores; as mais de 200 criadas e que aguardam instalação há décadas; os servidores desestimulados pela falta de reajustes salariais há dois anos, com sucessivas greves, a deste ano, com 4 meses de duração; os orçamentos comprometidos em mais de 90% com folha salarial, e os outros 10% servindo apenas para pagar parte das despesas fixas, como água, telefone, aluguel, etc, sem qualquer centavo para investimento em melhoria de estruturas e em informatização, são as verdadeiras razões da mora processual, e não a legislação processual.

Ao lado da falta de recursos, vemos também equívocos na gestão no Judiciário, a começar pela convocação de magistrados de 1ª Instância para atuar em áreas técnicas, como informática, recursos humanos, etc. Essas áreas seriam melhor geridas por profissionais com capacitação adequada, e aqueles magistrados convocados serviriam melhor à Justiça se estivessem atuando exclusivamente para aquilo que passaram em concurso público e foram empossados, ou seja, julgar processos. Não será a mudança do CPC que corrigirá essas distorções.

Ocorre que cada magistrado tem naturalmente poderes bastante amplos, e os limites e recursos que o novo CPC está eliminando ou mitigando são instrumentos de controle de equívocos e de abusos. Sem eles, esse controle ficará seriamente comprometido e, se decisões judiciais serão mais rápidas (o que não é uma questão incontroversa, dados os problemas estruturais da Justiça), é de se perguntar se serão também mais justas, mais refletidas, ou mais seguras. Corre-se o risco de desmontarmos a visão garantista do processo, em troca de uma vaga promessa de celeridade, potencialmente inalcançável se os verdadeiros problemas da morosidade não forem enfrentados.

Abertura: Um novo CPC, a morosidade da Justiça e a informatização.

Inauguramos aqui mais um espaço na Internet, desta vez com o objetivo de discutir a proposta de um novo Código de Processo Civil. O projeto está tramitando no Congresso Nacional a uma velocidade no mínimo temerária. Uma lei desse porte mereceria uma discussão mais lenta e profunda, e especialmente desprendida de paixões pessoais. Nem deve uma lei processual ser votada em caráter emergencial, como se fosse destinada a solucionar situações de caos social. Não é que a situação em que se encontra a justiça brasileira não seja suficientemente delicada, mas é necessário refletir com muito cuidado em que medida uma ampla e longa lei, como é o caso de um novo CPC, é capaz de solucionar o problema da morosidade, ou se não pode ainda agravá-lo.

Mesmo em situações de real urgência, legislar precipitadamente e sob a pressão das paixões do momento nunca deu bons resultados, haja vista, por exemplo, o histórico de leis - tipicamente emergenciais - que já regeram a locação urbana no país, sem nunca solucionar o problema de moradia ou os incansáveis atritos entre locador e locatário que, diga-se, só minoraram com a estabilização da economia nacional.

Utilizando-me de conhecida metáfora médica, prescrever um remédio é algo relativamente fácil: o difícil é fazer o prévio e correto diagnóstico da doença. Sabido qual é o mal que acomete o paciente, é só escolher o remédio indicado para aquela enfermidade.

A morosidade do processo é apenas o sintoma de uma doença, tal qual o estágio febril de um ser vivo. Mas o que causa essa febre? Se não for atacada esta causa, com os remédios corretos, os sintomas evidentemente permanecerão, e o doente pode até mesmo piorar... ou morrer.

O atual CPC sofreu intensas reformas nos últimos 16 anos, todas invariavelmente apresentadas como destinadas a combater a morosidade. E a morosidade não foi solucionada com isso. Parece mais do que claro que o problema da lentidão não era o CPC de 1973, nem em sua redação original, nem na que se encontra atualmente em vigor, depois de intensa reforma. Não que a lei não possa ser alterada, por razões outras, e várias foram as boas alterações que tivemos nesses anos; nem todas, porém, são merecedoras de elogios, e quase nenhuma verdadeiramente atacou o problema da demora.

Algumas esferas do Poder Judiciário, que nestes últimos anos investiram decididamente em infraestrutura e organização (e contaram com recursos financeiros para tanto), lograram, mesmo com esta lei que temos, obter ganhos visíveis em prol da celeridade, o que é mais um indicativo de que a lei atual não é óbice à celeridade.

Por outro lado, quando se observa o que acontece no Estado de São Paulo, que concentra cerca de 40% do movimento forense nacional (sem que sua capacidade física e humana corresponda ao mesmo percentual da estrutura judiciária nacional), é difícil embalar a idéia de que um novo CPC possa significar qualquer expectativa de melhoria, mínima que seja, para a insuportável demora hoje vivenciada.

Quando meses são necessários para uma mera juntada de petição, expedição de guia de levantamento ou de um outro mandado qualquer, ou somente para certificar o trânsito em julgado da sentença, é de se indagar o que uma lei - qualquer lei, qualquer que seja seu texto - pode oferecer para sanar esses males. Há excesso de recursos? Pode ser que sim! Mas processos já demoram anos em primeiro grau de jurisdição, sem que tenha sido apresentado qualquer recurso! Alterar regimes recursais não vai, por certo, solucionar esse tipo de problema, que se tornou regra absoluta em todos os órgãos judiciais das justiças estadual e federal de São Paulo (e provavelmente de outros lugares, mas reservo-me a falar do que conheço com mais intimidade...).

Mas o que mais sugeriria a prudência de esperar um pouco mais, antes de se propor, ou de se aprovar, um novo Código Processual, é a recente inserção de novas tecnologias no processo. A informatização, mais do que uma mera alteração da forma, pode significar um caminho para se revolucionar também o modo de ser do processo. Diante disso, é de se pensar se não estaremos despendendo esforços inutilmente neste momento, discutindo, aprovando e colocando em vigor uma lei que pode se tornar obsoleta em poucos anos, tão logo os tribunais estejam amplamente informatizados.

É com esses olhos que vejo esses recentes esforços para a criação de um novo CPC. Coubesse a mim a escolha, não se faria alteração alguma na lei processual até que fosse possível vislumbrar um novo processo, calcado na ampla informatização judicial. Tratei desse possível impacto das novas tecnologias sobre o modo de ser do processo em minha tese de livre-docência, recém apresentada e ainda não defendida, razão pela qual convém abster-me de adiantar aqui os seus detalhes, ao menos por ora.

Se, porém, há um projeto em trâmite, vamos, então, discuti-lo aqui. Se o projeto em trâmite é uma realidade, só nos resta utilizar este espaço para analisar, discutir, elogiar ou criticar as específicas propostas do texto que se encontra no Congresso Nacional. Sem deixar de lado essa posição inicial - que fiz questão de declinar nesta minha mensagem inaugural, no sentido de que uma nova lei não é oportuna no presente momento - se temos um projeto, vamos discuti-lo!

A audiência de conciliação no Projeto do novo CPC

No meu primeiro post neste blog faço breves comentários à questão da conciliação no novo CPC.

O art. 323 do novo CPC determina que o juiz, ao verificar que a inicial preenche os requisitos essenciais e em não sendo o caso de improcedência liminar do pedido, designará audiência de conciliação com antecedência mínima de 30 dias. Só depois dessa audiência começará o prazo de 15 dias para contestação (art. 324).

A inserção dessa nova audiência de conciliação, ANTES da apresentação da contestação, me parece equivocada. Sem saber qual o contraditório efetivo, quais os argumentos que o Réu apresentará para combater o pleito do Autor, quais provas pretenderá produzir, se irá ele confessar, total ou parcialmente, ficará muito difícil ao Autor avaliar alguma proposta de acordo.

A segunda ponderação. Em quanto tempo conseguirá o Juiz agendar essa audiência? A maioria das Varas em São Paulo se encontra com um volume excessivo de processos, muitas com mais de 30, 40 mil feitos. As pautas estão lotadas e audiências são designadas com meses de atraso.

Mais grave: o projeto do novo CPC prevê a possibilidade de a conciliação ocorrer em mais de uma sessão (§ 2º do art. 323), “não excedentes a 60 dias da primeira”, e desde que “necessárias à composição das partes”. Além do tempo que demorará para o magistrado encontrar na agenda uma data para a realização de audiência de conciliação em cada um de seus dezenas de milhares de feitos, poderá ainda precisar marcada uma segunda audiência, dentro de mais 60 dias da primeira.

Tudo isso, sem que o processo tenha efetivamente se iniciado com a apresentação da contestação, cujo prazo de 15 dias só se iniciará ao final da conciliação.

É bem verdade que o próprio projeto de CPC prevê que cada Tribunal PODERÁ criar um setor de conciliação e mediação (art. 144). Quem pagará, no entanto, o conciliador ou mediador o projeto de CPC não prevê, e nem deveria, salvo se fosse atribuir às partes. Em São Paulo, a conciliação é feita de forma voluntária, sem pagamentos, por advogados. O projeto original previa que os conciliadores e mediadores seriam necessariamente advogados (art. 137 do projeto original). O novo texto, ao contrário, não apenas suprimiu essa obrigação, como determina que, se um advogado for conciliador, NÃO PODERÁ ATUAR NOS LIMITES DE COMPETÊNCIA DO RESPECTIVO TRIBUNAL E DE INTEGRAR ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA QUE O FAÇA!

Ou seja, além de trabalhar de graça, de forma voluntária, o advogado não poderá exercer a advocacia.

E não creio que, ao menos o TJ-SP, onde tramitam 18 milhões de processos, venha a ter recursos para pagar conciliadores, já que falta dinheiro para contratar juízes, servidores, oficiais de justiça, etc.

Preocupa-me ainda o projeto de novo CPC afirmar que o mediador “auxiliará as pessoas interessadas a compreenderem as questões e os interesses em conflito e posteriormente identificarem, por si mesmas, alternativas de benefício mútuo” (§ 2º do art. 145), como que esquecendo que as pessoas envolvidas em um processo judicial são representadas por ADVOGADOS, sendo absolutamente desnecessário que um terceiro (mediador) ajude o cliente de um advogado a compreender o conflito. Ou será que o mediador irá se dirigir diretamente às partes, desrespeitando os respectivos advogados?